Voltar 12/12/2019 Juiz Federal derruba a decisão do Presidente sobre o uso de radares moveis.
![]() Foto: Divulgação |
O Juiz substituto Marcelo Monteiro, da 1ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, derrubou uma decisão tomada em agosto pelo presidente Jair Bolsonaro sobre o uso de radares móveis pela Polícia Rodoviária Federal.
A decisão do magistrado atendeu ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra determinação presidencial de proibir o uso desse tipo de equipamento.
Ao analisar o caso, o juiz afirmou que presidente desrespeitou a competência legal do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) de estabelecer as diretrizes da política nacional de trânsito e de aprovar, complementar ou alterar os dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito (artigo 12, incisos I e XI)”.
No entendimento do juiz, essa competência não pode ser exercida pelo presidente da República — mesmo levando–se em conta sua competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (artigo 84, VI, a, CF/88).
Na decisão, o magistrado ainda cita alegações do MPF e ressalta o caráter técnico que precedeu a normatização, pelo Contran, do uso de tais equipamentos nas atividades de fiscalização e segurança viárias.
Por fim, ele deu prazo de 72 horas para que a PRF volte a usar a fiscalização móvel. Ele também estabeleceu multa de R$ 50 mil em caso de não cumprimento da sentença.
Colocados tais pontos, conclui–se que o ato questionado não observou o conjunto de normas que conformam o Sistema Nacional de Trânsito.
O despacho presidencial publicado em 15/08/2019, ao determinar ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que suspenda o uso de equipamentos medidores de velocidade estáticos, móveis e portáteis até que o Ministério da Infraestrutura conclua a reavaliação da regulamentação dos procedimentos de fiscalização eletrônica de velocidade em vias públicas determinada pelo Despacho do Presidente da República de 14 de agosto de 2019”, desrespeitou a competência legal do CONTRAN de estabelecer as normas regulamentares referidas no CTB e as diretrizes da Política Nacional de Trânsito, e de aprovar, complementar ou alterar os dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito (art. 12, incs. I e XI).
Tal competência não pode ser exercida pelo Presidente da República, mesmo se levada em conta sua competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (at. 84, VI, a, CF/88).
Em primeiro lugar, porque de decreto não se trata, mas de despacho.
Em segundo lugar, porque ainda que houvesse sido editado decreto, o mesmo não poderia suprimir competência de órgão colegiado, como o CONTRAN, prevista em lei.
Em controvérsia semelhante, o Supremo Tribunal Federal afastou a validade do decreto:
PROCESSO OBJETIVO – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – LIMINAR – DEFERIMENTO PARCIAL. Surgindo a plausibilidade jurídica parcial da pretensão e o risco de manter–se com plena eficácia o quadro normativo atacado, impõe–se o deferimento de medida acauteladora, suspendendo–o. COMPETÊNCIA NORMATIVA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ÓRGÃOS COLEGIADOS – PREVISÃO LEGAL – EXTINÇÃO – CHANCELA PARLAMENTAR. Considerado o princípio da separação dos poderes, conflita com a Constituição Federal a extinção, por ato unilateralmente editado pelo Chefe do Executivo, de órgãos colegiados que, contando com menção em lei em sentido formal, viabilizem a participação popular na condução das políticas públicas – mesmo quando ausente expressa indicação de suas competências ou dos membros que o compõem”. (ADI 6121 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe–260 DIVULG 27–11–2019 PUBLIC 2811–2019). Original sem grifos.
Então, ao contrário do que sustentado pela União em sua manifestação, não é a medida judicial buscada nesta ação que é capaz de importar em violação à separação dos poderes, mas o próprio ato questionado ao suprimir a atuação de órgão colegiado cujo funcionamento está disciplinado em ato proveniente do Poder Legislativo (lei ordinária).
Afora a questão formal, o ato questionado foi praticado sem a prévia existência de embasamento técnico, o que também viola as regras de funcionamento do Sistema Nacional de Trânsito e as competências legais do CONTRAN e de suas câmaras temáticas.
Tais fundamentos já seriam aptos ao afastamento provisório do ato questionado.
Há mais, entretanto, a ser analisado.
Sobre a interferência do Judiciário em políticas públicas, entende o STF que nos casos de omissão da administração pública, é legítimo ao Poder Judiciário impor–lhe obrigação de fazer com a finalidade de assegurar direitos fundamentais dos cidadãos” (ARE 679066 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 08/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe–153 DIVULG 31–07–2018 PUBLIC 01–08–2018) e que o Poder Judiciário possui legitimidade para, excepcionalmente, determinar a concretização de políticas públicas constitucionalmente previstas quando houver omissão da administração pública, o que não configura violação do princípio da separação dos poderes” (ARE 1192467 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 31/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe–123 DIVULG 07–06–2019 PUBLIC 10–06–2019).
Não se tem dúvida de que os direitos à segurança, incolumidade física e vida são fundamentais e que, conforme já registrado, a política de segurança viária e sua efetiva fiscalização são constitucionalmente previstas.
Resta apurar se, no presente caso, há omissão estatal a ser controlada pelo Judiciário.
De acordo com o MPF, a presente ação civil pública não pretende discutir o acerto ou desacerto da hipótese aventada pelo presidente da República quanto ao suposto uso indevido dos radares móveis. O que se pretende coibir é que a política de segurança no trânsito, no seu aspecto mais relevante, que é a preservação da vida, seja alterada, suspensa ou suprimida sem que haja, preliminarmente, suficiente informação técnica apontando para a verossimilhança das razões que levaram à edição dos despachos presidenciais” (p. 14 da inicial).
Para a concretização da medida acima, determino, até ulterior deliberação deste juízo:
a suspensão dos efeitos da DECISÃO ADMINISTRATIVA Nº 27/2019/DG da DireçãoGeral da Polícia Rodoviária Federal (id. 107745361), restaurando a eficácia dos atos administrativos da referida instituição que possibilitavam e regulamentavam o uso de medidores de velocidade estáticos, móveis e portáteis; àUnião, por meio de qualquer de seus órgãos, que se abstenha de praticar atos tendentes a suspender, parcial ou integralmente, o uso de radares estáticos, móveis e portáteis; à PRF que adote, no prazo de 72 horas, todas as providências para restabelecer integralmente a fiscalização eletrônica por meio dos radares estáticos, móveis e portáteis nas rodovias federais, devendo para tanto observar com rigor os parâmetros técnicos da Resolução CONTRAN nº 396/2011, do Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, Volume I (Sinalização Vertical de Regulamentação), aprovado pela Resolução CONTRAN nº 180/2005, bem como do Manual de Fiscalização de Velocidade M–004 e do Manual de Utilização do Radar Trucam M–032, ambos da PRF, especialmente quanto à sinalização apropriada;
Para a hipótese de descumprimento das medidas acima determinadas, fixo multa no valor de R$ 50.000,00 por dia de atraso, a ser suportada pela União, nos termos do art. 11, da Lei n° 7.347/85.
Intimem–se, pessoalmente, via mandado, com urgência:
a União; o Sr. Diretor–Geral da Polícia Rodoviária Federal para ciência e pronto cumprimento da presente decisão no que toca a sua competência para cumprir as determinações fixadas
Cite–se a União.
Brasília/DF.
MARCELO GENTIL MONTEIRO
Juiz Federal Substituto da 1ª Vara – SJ/DF
Fonte: Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL: 1033150–08.2019.4.01.3400
A decisão do magistrado atendeu ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra determinação presidencial de proibir o uso desse tipo de equipamento.
Ao analisar o caso, o juiz afirmou que presidente desrespeitou a competência legal do Contran (Conselho Nacional de Trânsito) de estabelecer as diretrizes da política nacional de trânsito e de aprovar, complementar ou alterar os dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito (artigo 12, incisos I e XI)”.
No entendimento do juiz, essa competência não pode ser exercida pelo presidente da República — mesmo levando–se em conta sua competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (artigo 84, VI, a, CF/88).
Na decisão, o magistrado ainda cita alegações do MPF e ressalta o caráter técnico que precedeu a normatização, pelo Contran, do uso de tais equipamentos nas atividades de fiscalização e segurança viárias.
Por fim, ele deu prazo de 72 horas para que a PRF volte a usar a fiscalização móvel. Ele também estabeleceu multa de R$ 50 mil em caso de não cumprimento da sentença.
Colocados tais pontos, conclui–se que o ato questionado não observou o conjunto de normas que conformam o Sistema Nacional de Trânsito.
O despacho presidencial publicado em 15/08/2019, ao determinar ao Ministério da Justiça e Segurança Pública que suspenda o uso de equipamentos medidores de velocidade estáticos, móveis e portáteis até que o Ministério da Infraestrutura conclua a reavaliação da regulamentação dos procedimentos de fiscalização eletrônica de velocidade em vias públicas determinada pelo Despacho do Presidente da República de 14 de agosto de 2019”, desrespeitou a competência legal do CONTRAN de estabelecer as normas regulamentares referidas no CTB e as diretrizes da Política Nacional de Trânsito, e de aprovar, complementar ou alterar os dispositivos de sinalização e os dispositivos e equipamentos de trânsito (art. 12, incs. I e XI).
Tal competência não pode ser exercida pelo Presidente da República, mesmo se levada em conta sua competência privativa para dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos” (at. 84, VI, a, CF/88).
Em primeiro lugar, porque de decreto não se trata, mas de despacho.
Em segundo lugar, porque ainda que houvesse sido editado decreto, o mesmo não poderia suprimir competência de órgão colegiado, como o CONTRAN, prevista em lei.
Em controvérsia semelhante, o Supremo Tribunal Federal afastou a validade do decreto:
PROCESSO OBJETIVO – CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – LIMINAR – DEFERIMENTO PARCIAL. Surgindo a plausibilidade jurídica parcial da pretensão e o risco de manter–se com plena eficácia o quadro normativo atacado, impõe–se o deferimento de medida acauteladora, suspendendo–o. COMPETÊNCIA NORMATIVA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ÓRGÃOS COLEGIADOS – PREVISÃO LEGAL – EXTINÇÃO – CHANCELA PARLAMENTAR. Considerado o princípio da separação dos poderes, conflita com a Constituição Federal a extinção, por ato unilateralmente editado pelo Chefe do Executivo, de órgãos colegiados que, contando com menção em lei em sentido formal, viabilizem a participação popular na condução das políticas públicas – mesmo quando ausente expressa indicação de suas competências ou dos membros que o compõem”. (ADI 6121 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 13/06/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe–260 DIVULG 27–11–2019 PUBLIC 2811–2019). Original sem grifos.
Então, ao contrário do que sustentado pela União em sua manifestação, não é a medida judicial buscada nesta ação que é capaz de importar em violação à separação dos poderes, mas o próprio ato questionado ao suprimir a atuação de órgão colegiado cujo funcionamento está disciplinado em ato proveniente do Poder Legislativo (lei ordinária).
Afora a questão formal, o ato questionado foi praticado sem a prévia existência de embasamento técnico, o que também viola as regras de funcionamento do Sistema Nacional de Trânsito e as competências legais do CONTRAN e de suas câmaras temáticas.
Tais fundamentos já seriam aptos ao afastamento provisório do ato questionado.
Há mais, entretanto, a ser analisado.
Sobre a interferência do Judiciário em políticas públicas, entende o STF que nos casos de omissão da administração pública, é legítimo ao Poder Judiciário impor–lhe obrigação de fazer com a finalidade de assegurar direitos fundamentais dos cidadãos” (ARE 679066 AgR, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 08/06/2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe–153 DIVULG 31–07–2018 PUBLIC 01–08–2018) e que o Poder Judiciário possui legitimidade para, excepcionalmente, determinar a concretização de políticas públicas constitucionalmente previstas quando houver omissão da administração pública, o que não configura violação do princípio da separação dos poderes” (ARE 1192467 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 31/05/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe–123 DIVULG 07–06–2019 PUBLIC 10–06–2019).
Não se tem dúvida de que os direitos à segurança, incolumidade física e vida são fundamentais e que, conforme já registrado, a política de segurança viária e sua efetiva fiscalização são constitucionalmente previstas.
Resta apurar se, no presente caso, há omissão estatal a ser controlada pelo Judiciário.
De acordo com o MPF, a presente ação civil pública não pretende discutir o acerto ou desacerto da hipótese aventada pelo presidente da República quanto ao suposto uso indevido dos radares móveis. O que se pretende coibir é que a política de segurança no trânsito, no seu aspecto mais relevante, que é a preservação da vida, seja alterada, suspensa ou suprimida sem que haja, preliminarmente, suficiente informação técnica apontando para a verossimilhança das razões que levaram à edição dos despachos presidenciais” (p. 14 da inicial).
Para a concretização da medida acima, determino, até ulterior deliberação deste juízo:
a suspensão dos efeitos da DECISÃO ADMINISTRATIVA Nº 27/2019/DG da DireçãoGeral da Polícia Rodoviária Federal (id. 107745361), restaurando a eficácia dos atos administrativos da referida instituição que possibilitavam e regulamentavam o uso de medidores de velocidade estáticos, móveis e portáteis; àUnião, por meio de qualquer de seus órgãos, que se abstenha de praticar atos tendentes a suspender, parcial ou integralmente, o uso de radares estáticos, móveis e portáteis; à PRF que adote, no prazo de 72 horas, todas as providências para restabelecer integralmente a fiscalização eletrônica por meio dos radares estáticos, móveis e portáteis nas rodovias federais, devendo para tanto observar com rigor os parâmetros técnicos da Resolução CONTRAN nº 396/2011, do Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, Volume I (Sinalização Vertical de Regulamentação), aprovado pela Resolução CONTRAN nº 180/2005, bem como do Manual de Fiscalização de Velocidade M–004 e do Manual de Utilização do Radar Trucam M–032, ambos da PRF, especialmente quanto à sinalização apropriada;
Para a hipótese de descumprimento das medidas acima determinadas, fixo multa no valor de R$ 50.000,00 por dia de atraso, a ser suportada pela União, nos termos do art. 11, da Lei n° 7.347/85.
Intimem–se, pessoalmente, via mandado, com urgência:
a União; o Sr. Diretor–Geral da Polícia Rodoviária Federal para ciência e pronto cumprimento da presente decisão no que toca a sua competência para cumprir as determinações fixadas
Cite–se a União.
Brasília/DF.
MARCELO GENTIL MONTEIRO
Juiz Federal Substituto da 1ª Vara – SJ/DF
Fonte: Classe: AÇÃO CIVIL PÚBLICA CÍVEL: 1033150–08.2019.4.01.3400